"Senhor, fazei-me instrumento de Vossa Paz"
São Francisco de Assis

sábado, 20 de agosto de 2011

Do santíssimo milagre que São Francisco fez quando converteu o ferocíssimo lobo de Gúbio.



I FIORETTI DI SAN FRANCESCO - Capítulo XXI.

No tempo em que São Francisco morava na cidade de Gúbio, no condado de Gúbio, apareceu um lobo muito grande, terrível e feroz, que não somente devorava os animais, mas também os homens; tanto que todos os cidadãos viviam um grande medo, pois diversas vezes ele se aproximava da cidade. E todos andavam armados quando saíam da cidade, como se fossem combater. E mesmo assim não podiam defender-se do lobo se se encontrassem sozinhos com ele. E por medo desse lobo, chegaram a uma situação em que ninguém ousava sair fora da terra.

Por esse motivo, tendo São Francisco compaixão das pessoas da terra, quis sair para encontrar o lobo, ainda que os cidadãos em conjunto não o aconselhassem. Mas, fazendo o sinal da Santíssima cruz, saiu fora da terra, ele com os seus companheiros, pondo toda a confiança em Deus. E como os outros ficassem na dúvida se deviam ir mais adiante, São Francisco tomou o caminho para o lugar onde o lobo ficava. E eis que, diante de muitos cidadãos que tinham vindo para ver esse milagre, o dito lobo foi ao encontro de São Francisco, de boca aberta.

Aproximando-se dele, São Francisco lhe fez o sinal da santíssima cruz, chamou-o a si e disse assim: “Vem aqui, frei lobo, eu te mando da parte de Cristo que não faças mal nem a mim nem a ninguém”.
Coisa admirável de dizer! Logo que São Francisco fez a cruz, o lobo terrível fechou a boca e parou de correr; e, dada a ordem, veio mansamente como um cordeiro, e lançou-se aos pés de São Francisco, deitado.
E São Francisco assim lhe falou: “Frei lobo, tu fazes muito danos por aqui, e fizeste grandes malefícios, estragando e matando as criaturas de Deus sem a sua licença. E não somente mataste e devorastes animais, mas tiveste a ousadia de matar pessoas, feitas à imagem de Deus. Por isso tu mereces a forca, como ladrão e péssimo homicida. E todo mundo grita e murmura contra ti, e toda esta terra ficou tua inimiga. Mas eu quero, frei lobo, fazer a paz entre tu e eles, de modo que tu não os ofendas mais e eles te perdoem todas as ofensas passadas, e nem os homens nem os cães continuem a te perseguir”.
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Ditas essas palavras, o lobo, com gestos do corpo, da cauda e das orelhas, e inclinando a cabeça, mostrava que aceitava o que São Francisco dissera e queria observa-lo.
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Então São Francisco disse:
“Frei lobo, porque te agrada fazer e manter esta paz, eu te prometo que te farei com que as pessoas desta terra te dêem continuamente a comida enquanto viveres, de modo que não sofrerás fome. Pois eu sei que foi pela fome que fizeste todo o mal. Mas como eu te concedo esta graça eu quero, frei lobo, que tu me prometas que tu não prejudicarás jamais a nenhuma pessoa humana nem a algum animal: tu me prometes isso?”E o lobo, inclinando a cabeça, fazia um sinal evidente de que estava prometendo.
E São Francisco disse: Frei lobo, quero que me dês prova dessa promessa, para eu poder bem confiar”. E como São Francisco estendeu a mão para receber seu juramento, o lobo levantou a pata direita e a colocou mansamente sobre a mão de São Francisco, dando-lhe o sinal que podia.
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Então São Francisco disse:
“Frei lobo, eu te mando em nome de Jesus Cristo que tu venhas agora comigo, sem duvidar nem um pouco. Vamos confirmar esta paz, em nome de Deus”.
E o lobo, obediente, foi com ele como se fosse um carneirinho manso. Vendo isso, os cidadãos ficaram muito admirados. E a novidade ficou logo conhecida por toda a cidade.
Por isso todas as pessoas, homens e mulheres, grandes e pequenos, jovens e velhos, foram para a praça ver o lobo com São Francisco.
E estando o povo aí, em reunido, São Francisco levantou-se e pegou para eles, dizendo, entre outras coisas, como pelos pecados Deus promete coisas desse tipo e pestilências, e mais perigosa é a chama do inferno, que vai durar eternamente para os condenados, do que a raiva do lobo, que não pode matar senão o corpo: “Então, como devemos temer a boca do inferno,quando tamanha multidão tem medo e tremor diante da boca de um pequeno animal. Por isso, voltai para Deus, caríssimos, e fazei uma penitência digna de vossos pecados, e Deus vos libertará do lobo no presente e, no futuro, do fogo infernal”.
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Feita a pregação, São Francisco disse:
“Ouvi, meus irmãos: frei lobo, que está aqui na frente de vós, me prometeu, e jurou, que vai fazer as pazes convosco e que não vai mais vos ofender em coisa alguma, e vós prometeis dar-lhe cada dia as coisas necessárias, e eu entro como fiador dele, de que vai observar firmemente o pacto”.
Então todo o povo, a uma só voz, prometeu alimenta-lo continuamente.
E São Francisco, diante de todos, disse ao lobo: “E tu, frei lobo, prometes a estas pessoas observar o pacto da paz, de modo que não ofendas nem os homens, nem os animais, nem criatura alguma?”. E o lobo, ajoelhou-se, inclinou a cabeça, e com gestos mansos de corpo, de cauda e das orelhas, mostrava, quanto possível que queria observar todo pacto.
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São Francisco disse: “Frei lobo, eu quero que, como tu me juraste essa promessa fora da porta, também me dês fé da tua promessa diante de todo o povo, e que não me enganarás sobre a promessa e caução que eu fiz por ti”.
Então o lobo levantou a pata direita e colocou-a na mão de São Francisco. Daí, por causa desse ato e das outras coisas que foram ditas, houve tanta alegria e admiração em todo o povo, tanto pela devoção ao santo como pela novidade do milagre, e pela paz do lobo, que todos começaram a gritar para o céu, louvando e bendizendo a Deus, que lhes tinha mandado São Francisco, que pelos seus méritos os havia libertado da boca do cruel animal.
Depois o lobo viveu dois anos em Gúbio, e entrava domesticamente pelas casas, de porta em porta, sem fazer mal a ninguém, e sem que o fizessem para ele. E foi alimentado cortesmente pelo povo. E mesmo andando assim pela terra e pelas casas, nunca um cão ladrava atrás dele. Finalmente, depois de dois anos, o lobo morreu de velho, causando muita dor aos cidadãos porque, vendo-o andar tão manso pela cidade, recordavam melhor a virtude e a santidade de São Francisco.

Para louvor de Jesus Cristo e do pobrezinho Francisco. Amém.

Francisco e o Irmão Lobo de Gúbio



Gúbio, uma cidade na Úmbria, estava tomada de grande medo. Na floresta da região vivia um grande lobo, terrível e feroz, o qual não somente devorava os animais como as pessoas, de modo que todos do povoado estavam apavorados!
Por isso, cercaram a cidade com altas muralhas e reforçaram as portas. E todos andavam armados quando saíam da cidade, como se fossem para um combate.
Certa vez, quando Francisco chegou àquela cidade, estranhou muito o medo do povo. Percebeu que a culpa não podia ser unicamente do lobo. Havia no fundo dos corações uma outra causa que era tão destrutiva como parecia ser a causa do lobo.
Logo, Francisco ofereceu-se para ajudar. Resolveu sair ao encontro do lobo, sozinho e desarmado, mas cheio de simpatia e benevolência pelo animal, e, como dizia às pessoas, na força da Cruz.
O perigoso lobo, de fato, foi ao encontro de Francisco, raivoso e de boca aberta pronto para devorá-lo, mas quando o lobo percebeu as boas intenções de Francisco e ouviu como este se dirigia a ele como a um irmão, cessou de correr e ficou muito surpreendido.
Francisco de Assis anulou a violência que havia no irmãozinho lobo. De olhos arregalados, viu que esse homem o olhava com bondade. Francisco então falou para o lobo:
-Irmãozinho lobo, quero somente conversar com você, meu irmão ... E caso você esteja me entendendo, levante, por favor, a sua patinha para mim!
O irmãozinho lobo, então, perante tão forte vibração de amor e carinho, perdeu toda a sua maldade. Levantou, confiante, a pata da frente,e calmamente a pôs na mão aberta de Francisco.
Então, Francisco disse-lhe amorosamente:
-Querido irmãozinho lobo, vou fazer um trato com você! De hoje em diante, vou cuidar de você meu irmão! A cidade vai lhe dar comida, já que, por culpa das pessoas, a floresta não lhe oferece mais o alimento necessário. Você vai pode entrar em minha casa e vou lhe dar comida e seremos sempre amigos! Você por sua vez, também será amigo de todas as pessoas desta cidade, pois de agora em diante você terá acolhimento, comida e carinho, sendo assim, não precisará mais matar nem agredir ninguém, para sobreviver... Com a promessa de nunca mais lesar nem homem nem animal, foi o lobo com Francisco até a cidade.
Também o povo da cidade abandonou sua raiva e começou a chamar o lobo de irmão. Prometeu dar-lhe cada dia o alimento necessário. Finalmente, o irmão lobo morreu de velhice, pelo que, todos da cidade tiveram grande pesar.
Ainda hoje se mostra, em Gúbio, um sarcófago feito de pedra, no qual os ossos do lobo estão depositados e guardados com grande carinho e respeito durante séculos.
Este é um texto clássico das Fontes Franciscanas, que revela a pedagogia da paz de Francisco, é a parábola ou alegoria do “Lobo de Gubbio”, contada em Fioretti 21.
O lobo era demonizado pelos cidadãos que andavam armados quando saíam da cidade, como se fossem para o combate. O medo chegou a tal ponto que ninguém mais ousava sair da cidade. Entre a cidade e o lobo não havia diálogo, apenas enfrentamento, medo, defesa, ataque, combate. Francisco sai da cidade e vai ao encontro do lobo e vai vai sem armas, sem preconceitos, sem agressividade, inspirado em Jesus: com amor, perdão, não-violência.
Francisco não acoberta as maldades e violências do lobo, mas mostra que tal forma de agir tem a ver com a violenta fome que o animal sofria. E vê nele também um irmão e a possibilidade de construir novas relações entre ele e a cidade. Consegue pacificá-lo e alcança dele a possibilidade de um pacto de paz. Da mesma forma, Francisco vai ao encontro do povo da aldeia, denunciando-lhe seus pecados e convocando-o à mudança de vida, à penitência. Realiza-se um encontro entre ambas as partes e conclui um pacto de paz, que inclui o compromisso da aldeia em garantir comida para o lobo e o lobo passaria a agir sem maldade e agressividade. Trata-se de um pacto de paz diferente daqueles de Assis ou da “pax romana”, por exemplo, ou outros realizados na história em que predomina a vontade do mais forte sobre o mais fraco ou se estabelece apenas um equilíbrio de forças e interesses. Francisco torna-se um intermediário que ajuda a desarmar espíritos, superar preconceitos, construir novas relações, com um senso de realismo e com mística, com novos compromissos de ambas as partes, superando a causa do conflito. Entre o lobo e a cidade de Gubbio se dá um processo de conversão, de mudança, de mentalidade, de atitudes, de visão, de coração. Francisco desdemonizou o lobo e a cidade, pois ambos tinham suas razões e seus pecados, e investiu na possibilidade de um verdadeiro encontro entre as partes, de relações fraternas, de diálogo e de paz.